terça-feira, 22 de julho de 2025

The Voli’s

WINDVILLE, OHIO. 30 DE JUNHO DE 2025. 

O som de uma banda de jazz ao vivo ecoava pelas calçadas de pedra de Windville enquanto moradores e curiosos lotavam a Praça Central, onde, ao lado da antiga livraria da Senhora McMillan, uma nova fachada brilhava com letreiros dourados em estilo art déco: THE VOLI’S – Bistro & Bar Do lado de fora, garçons vestindo suspensórios e camisas brancas serviam taças de espumante e pequenas travessas com amuse-bouches criativos: minicubos de tartar de salmão com flores comestíveis, bolinhos de cogumelos selvagens da Floresta Dourada, e brigadeiros salgados com pimenta defumada, uma provocação discreta ao gosto local. As mesinhas redondas ocupavam a calçada, entre velas acesas e pequenos vasos de lavanda. A multidão se reunia, celulares em punho, comentando entre sorrisos e cochichos. Do outro lado da esquina, a fachada já conhecida do Café da Karen parecia observá-los como uma velha dama desconfiada. O cheiro de café recém-passado e muffins de mirtilo tentava competir com o perfume marcante de ervas finas que escapava da cozinha do The Voli’s. Blake, o primo da Karen, observava da porta do café, braços cruzados e testa franzida. Ele mascava chiclete com força e soltava um riso seco. — Isso vai ser divertido. Murmurou, voltando para dentro. Do outro lado, no coração da festa, Voli surgia pela porta principal. Alto, de cabelo escuro preso num coque baixo e avental de couro grafite, o chef e empresário de 33 anos sorriu, levantando a taça para a multidão. Sua presença tinha algo magnético: misto de artista e maestro, alguém que não apenas cozinhava, mas criava experiências. — Boa noite, Windville! Sua voz ecoou clara, com sotaque suave e postura firme. — Bem-vindos ao The Voli’s. Hoje, eu não sirvo só comida. Sirvo lembranças. Tradição e inovação. Sabores da terra e do mundo, juntos… na sua cidade. Um velho tocador de sax solta uma nota aguda, e o riso das pessoas se mistura ao tilintar dos talheres de prata. Voli desce os degraus e caminha entre as mesas, cumprimentando os moradores como se já os conhecesse há anos. Senhorita Calloway, que jurava nunca sair depois das cinco, estava lá, usando pérolas. Os gêmeos Bennet, conhecidos por serem exigentes com tudo, discutiam sobre o creme brûlée com um brilho nos olhos. Até o prefeito Linnus apareceu, com a esposa e dois assessores, tirando fotos ao lado do letreiro iluminado. O interior do The Voli’s era um espetáculo à parte. Lustres feitos de garrafas de vinho recicladas pendiam do teto de vigas expostas. As paredes, cobertas por pinturas de artistas locais, pulsavam com cor e história. A cozinha era parcialmente aberta, uma plateia de aromas, fogo e precisão. Um retrato estilizado de um rouxinol dourado adornava a parede central, simbolizando o renascimento da Floresta Dourada e o novo espírito da cidade. Enquanto os pratos principais começavam a ser servidos, um risoto de abóbora com crosta de parmesão e uma costela de porco cozida por 36 horas no vinho da região, Blake cruzava a rua com passos rápidos, segurando um copo de café com a logomarca “Karen’s” virada propositalmente para frente. Parou bem em frente à fachada do rival, observando o movimento. Voli notou a presença dele à distância, e os dois trocaram um breve olhar. Não havia palavras, mas a mensagem era clara: A guerra gastronômica em Windville havia começado. E para os moradores, não havia momento melhor para estar na cidade. O ar da noite estava carregado de perfumes contrastantes. De um lado, o aroma sofisticado de trufas, queijo de cabra e carne selada com manteiga queimando em alta temperatura escapava das janelas do The Voli’s. Do outro, o cheiro nostálgico de café forte, tortas de maçã e pão de milho aquecido ecoava da vitrine do Café da Karen. Blake ajeitou o avental e cruzou os braços enquanto observava o movimento. Ele encostou no batente da porta do café, à meia luz, só com a placa de “Aberto” piscando em vermelho fraco. — Acha que vai durar? Murmurou, sem se dirigir a ninguém em específico. — Ele tem carisma… e um branding doido. Olha isso. Respondeu Harper, a atendente, segurando um dos panfletos do The Voli’s que alguém havia deixado cair na calçada. — Parece coisa de filme. Blake não respondeu. Só mascou o chiclete com mais força. A calçada estava cheia de gente. Algumas famílias passavam direto pelo Café da Karen e entravam no novo restaurante sem ao menos notar o cardápio especial escrito à mão no quadro de ardósia. — Tudo bem. Disse ele em voz baixa. — Uma noite boa não sustenta um restaurante. Enquanto isso, do outro lado da esquina, The Voli’s fervilhava. Na cozinha, Voli se movia com precisão. Cada prato que saía era revisado por ele e por Cassie, sua sous-chef, que cortava os temperos frescos com agilidade impecável. Eve, ao fundo, cuidava do fogo baixo das panelas, limpava as bordas dos pratos e dava ordens rápidas para manter tudo fluindo. — Manda essa costela para a mesa sete, e me vê se o creme do cogumelo não ficou muito denso, hein. Disse Cassie. — Tá no ponto, chefa. Respondeu Eve, confiante. No salão, Ash circulava entre as mesas com naturalidade, equilibrando duas taças de vinho em uma mão e um cesto de pães na outra. Phin, o irmão, era mais contido, mas eficiente, anotando os pedidos com seriedade e trocando olhares rápidos com Liah, que o observava da mesa perto da janela, segurando o bebê Teemothy enrolado num cobertor amarelo. — Ele parece exausto. Comentou Bessa, sentada ao lado de Liah, mexendo no chá como quem procurava algo a criticar. — Phin devia estar em casa, não acha? Com um bebê pequeno desses. — Ele quis estar aqui. O Voli precisa dele hoje. Respondeu Liah sem tirar os olhos do namorado. Bessa revirou os olhos. — Ah, sim. O Voli. Sempre o Voli. Mel, no caixa, ouviu e fingiu não ouvir. Mas havia um leve tremor em seus dedos ao passar o cartão da próxima cliente. Ela conhecia esse tipo de veneno com açúcar da mãe. Do lado de fora, Winter chegava com uma nova remessa de sobremesas preparadas por uma confeitaria parceira. Ele deixou a bicicleta estacionada e atravessou a multidão com a caixa térmica nas mãos. — Voli! Chegaram os macarons de chá-verde e lichia! Gritou, empolgado. Voli se aproximou, secando o suor da testa com um pano preto. — Obrigado, Winter. Coloca direto na bancada de vidro, a gente começa a oferecer como cortesia. — Tá de brincadeira? Murmurou Lucio, um dos garçons, pegando a primeira bandeja. — Cortesia? Esses doces custam quinze dólares a unidade. — Primeiro impacto. Impressão de generosidade. As pessoas voltam por causa disso. Respondeu Voli, com um sorriso no canto da boca. Lá fora, Blake observava mais um grupo de clientes entrando no The Voli’s. Um deles segurava um copo de café com o logo do Café da Karen. Ele franziu o cenho. Ash, ao ver Blake parado do outro lado da rua, fez um leve aceno com a cabeça. Educado, mas seco. Blake não retribuiu. Em vez disso, empurrou a porta de seu café e entrou, batendo-a com mais força do que o necessário. Voli percebeu. Cassie se aproximou e comentou, baixinho: — Não é a primeira vez que ele vem espiar hoje. — É normal. Eu também ficaria curioso. — Você não parece nem um pouco abalado. Voli apenas sorriu. — Porque eu estou exatamente onde devia estar. E naquele instante, enquanto o salão vibrava com risos, brindes e os primeiros elogios sinceros, The Voli’s se firmava como mais que um restaurante, ele se tornava um símbolo. E Blake, mesmo que não dissesse em voz alta, sentia isso apertar o peito como a fumaça amarga de um café mal filtrado. As últimas cadeiras foram colocadas sobre as mesas. As velas apagadas, os guardanapos recolhidos, os pratos limpos. No silêncio que veio depois do turbilhão, a cozinha parecia outro lugar, como se tivesse sobrevivido a uma tempestade, e estivesse respirando aliviada.Cassie fechou a última tampa da lava-louça com um baque e se recostou no balcão, exausta. — Primeira noite… sobrevivemos. Disse ela, olhando para os outros. Eve estava com a franja colada na testa de suor, mas ainda tinha um brilho de satisfação no olhar. Ash se sentou no chão, encostado em uma pilastra, segurando os sapatos na mão. Phin, ao seu lado, cochilava com a cabeça encostada em uma caixa de bebidas. — O Lucio dormiu no estoque. Comentou EZ, entrando com uma manta sobre os ombros. — Literalmente. Rocando entre os sacos de arroz. Voli apareceu, sem o avental agora, segurando uma garrafa de vinho branco aberta e copos descartáveis. Seus cabelos estavam presos de qualquer jeito, e havia molho seco em sua camisa preta. — Discurso? Perguntou, rindo. — Discurso! Responderam quase todos. Ele subiu num banquinho, equilibrando a garrafa como se fosse um troféu. — Eu sei que estou suado, exausto, e provavelmente com cheiro de cebola roxa, mas… eu tô feliz. Isso aqui. Apontou ao redor. — Isso aqui não é só meu. É de vocês. Se um só de vocês tivesse desistido hoje, a noite teria sido outra. Vocês foram gigantes. — A gente quase morreu. Disse Ash, rindo. — Quase. Mas com estilo. Completou Voli. Eles brindaram com vinho barato em copos finos de plástico. Até Mel apareceu da parte do caixa, sorrindo discretamente, os olhos vermelhos de cansaço. Ms. Lee, que já tinha deixado as louças brilhando, colocou uma mão no ombro de Voli e disse: — Sua avó ficaria orgulhosa. Só não ia entender esse negócio de “espuma de cogumelo”. Todos riram. Até Voli, que piscou para ela. Do lado de fora, o vento da madrugada soprava calmo. Windville dormia. Ou quase.Blake estava ali. Parado. Com um copo de café na mão, já frio. Observando. Ele se aproximou da vitrine ainda iluminada. Viu as sombras lá dentro, as risadas abafadas, os copos se encostando. E por um momento, não viu rivais. Viu um time.